quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Política fiscal ideal?

Semana passada, eu vi outra discussão (aqui) sobre a implementação de uma banda para o superávit primário brasileiro. A ministra da casa civil já havia defendido essa regra. É como o sistema metas de inflação. A ideia, basicamente, é fazer com que o nível de superávit primário varie (dentro de um intervalo pré-estabelecido) de acordo com o ciclo econômico – quando o crescimento for baixo, a meta do superávit primário poderia ser reduzida. O economista entrevistado no artigo em questão elabora uma regra simples: “... quando o crescimento da economia se situar entre 3% e 4%, o superávit primário, sem nenhum tipo de abatimento, teria que se situar entre 2,5% e 3% do PIB. Quando o crescimento fosse superior a 4%, o primário seria de 3% do PIB. Quando a economia crescesse entre 2% e 3%, o primário poderia situar-se entre 2% e 2,5% do PIB. E quando crescesse menos do que 2%, o primário poderia ficar no intervalo de 1,5% e 2% do PIB.” Notou o foco no ciclo? Notou o foco na meta? Aparentemente, não há preocupação com a postura da política fiscal (expansionista/contracionista/neutra), apenas com a meta (que pode variar com o ciclo). Você pode acreditar que é a mesma coisa. Eu penso que não e espero esclarecer meu argumento num próximo post. 
Porém, como o governo parece ter como meta o topo da banda no caso da inflação, como podemos acreditar que o mesmo governo não vai perseguir o piso de uma possível banda de superávit primário (como o autor do artigo comenta)? É preciso ter um sistema crível e um primeiro passo seria a busca por uma evolução no design institucional, elevando o grau de transparência da gerência do orçamento público. As transferências do Tesouro Nacional para o BNDES e o mecanismo que permite a possibilidade do abatimento da meta do superávit primário pelos gastos relacionados ao Programa de Aceleração do Investimento (PAC), entre outras manobras, minam, no momento, a credibilidade do governo. Blanchard e Giavazzi*, no contexto da união europeia e seu pacto de estabilidade e crescimento, propõem uma mudança na contabilidade do governo de forma que não haja negligência com os investimentos públicos e seus rebatimentos sobre o crescimento econômico, enumerando princípios para o desenho institucional oriundos dessa mudança.
Nesse contexto, então, o governo estaria tomando as melhores decisões de política fiscal incorrendo em déficits (ou, de outra forma, estimulando a economia por meio de uma política fiscal expansionista, voltada preferencialmente para investimentos produtivos) em momentos de queda do produto e reduzindo esse déficit em tempos de crescimento do PIB, equacionando os multiplicadores orçamentários, que parecem ser mais sensíveis em tempos de recessão, e suavizando o ciclo econômico. Visto que as receitas fiscais tendem a aumentar quando há expansão do PIB e tendem a cair quando há queda do produto, para que o governo sempre tome as melhores decisões de política fiscal, o gasto público deve ser o menos rígido possível (é bom lembrar que nem só de receitas vive o superávit). A dificuldade maior decorre desse último fato, pelo menos no caso brasileiro, tanto pelo excesso de vinculações e outras restrições impostas pela Constituição Federal quanto pela falta de disposição dos governos para realizar reformas que contornem esse problema. Enfim, o ponto é o seguinte: não adianta lamentar o superávit primário menor por causa do fraco crescimento do PIB que frustra o lado da arrecadação. E o gasto público, que cresce o tempo todo? E a imensa dificuldade em concretizar investimentos básicos?   

* BLANCHARD, O.; GIAVAZZI, F. Improving the SGP Through a Proper Accounting of Public Investment. CEPR DiscussionPaper, No 4220, fev.,2004.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O IBC-Br é uma boa prévia do PIB? (Parte II)

Continuando o post sobre o IBC-Br! O exercício é similar ao anterior, sendo que os dois índices utilizados são ajustados sazonalmente. O IBC foi convertido por média para a base trimestral e o ajuste sazonal foi realizado com a ajuda de um software (o método utilizado foi o X-12). Para o PIB, o próprio IBGE divulga um índice ajustado. O cálculo da variação de ambas as séries é feito em relação ao trimestre imediatamente anterior.


Em quatro trimestres o IBC apresentou um movimento oposto ao do PIB (2005Q1, 2011Q3, 2011Q4 e 2012Q2) e o coeficiente de correlação linear entre as duas variáveis foi menor que o anterior (0,95), porém a aproximação continua útil. Continuando nosso exercício de previsão do PIB via IBC, no terceiro trimestre deste ano houve uma queda de 0,4% em relação ao trimestre imediatamente anterior. Muitos analistas esperam uma contração (vi em algum lugar que o Itaú prevê uma queda de 0,3%). Em dezembro a gente vê o que acontece!

terça-feira, 26 de novembro de 2013

O IBC-Br é uma boa prévia do PIB? (Parte I)

O índice de atividade econômica do Banco Central do Brasil (IBC-Br), também conhecido como “a prévia do PIB”, foi questionado mais fortemente (de acordo com a minha curta memória e, quem sabe, não pela primeira vez) em julho de 2013. Em notícia publicada no jornal Valor Econômico (17/07/2013), Chico Lopes surpreendeu ao afirmar “O PIB cresce 4% ao ano” (aqui). O Brasil havia crescido 0,9% em 2012 e o pessimismo era quase generalizado na metade de 2013. Utilizando médias trimestrais dos dados do IBC (que é divulgado mensalmente), em suas palavras, uma forma mais segura de analisar o movimento do índice, ele antecipou um crescimento de 4% no segundo trimestre de 2013. A partir dessa notícia, o mesmo jornal procurou a opinião de outros economistas (menos otimistas) sobre o assunto e alguns deles afirmaram que o IBC já não era um bom indicador para o PIB. Em matérias que abordam a variação do índice do Banco Central (aqui, por exemplo) são comuns, ultimamente, ressalvas do tipo “Os últimos resultados do IBC-Br, porém, não têm demonstrado proximidade com os dados oficiais do Produto Interno Bruto, divulgados pelo IBGE”. 
É improvável que o PIB do Brasil cresça, em 2013, 4%. Porém, a previsão otimista do Chico Lopes para o segundo trimestre de 2013 (via IBC) foi boa - principalmente levando em conta esse clima de pessimismo em relação ao desempenho da economia brasileira -, já que o PIB cresceu, de fato, 3,3%. Então, até que ponto os valores do IBC se descolaram do PIB, se é que isso realmente aconteceu?

           
O Gráfico acima mostra a variação do PIB real e do IBC-Br (%a.a). Os dados mensais do IBC foram transformados por média em uma base trimestral.  Apenas em dois trimestres (2008T4 e 2012T2) "a prévia do PIB" sugeriu um movimento errado da variação do produto. A correlação linear entre as duas variáveis é 0,98. A aproximação é, realmente, boa. Não deixou de ser boa recentemente, da mesma forma que nunca foi espetacular. O índice do Banco Central continua sendo útil. Sem entrar no mérito dos 4% e do pessimismo com a economia brasileira, o fato é que Chico Lopes tem razão ao afirmar que a medida mensal do IBC tem bastante ruído, medida essa que é amplamente divulgada pela mídia. Em tempo: a previsão do crescimento do PIB, via IBC, para o terceiro trimestre de 2013 é de 2,66%.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Miopia → Vulnerabilidade → Austeridade forçada

Reinhart e Rogoff*, em 2010, publicaram um famoso (e polêmico) artigo que aborda o tema dívida pública x crescimento econômico. Basicamente, a conclusão foi que o alto nível de dívida pública (>=90% do PIB) afeta negativamente o crescimento das economias avançadas – no caso dos países emergentes, mesmo um nível menor de dívida pública (60% do PIB) está associado a um menor crescimento do PIB e pressões inflacionárias. Ao contrário do que muitos pensam, no contexto de excesso de dívida pública (o caso de certos países da zona do euro), o estudo não serve de base para a realização de medidas de austeridade excessivas e imediatas, e nem é esse o argumento dos autores. O foco está nos custos incorridos pela sociedade associados à dívida pública excessiva. Outros estudos** concluem o oposto, que os níveis elevados de dívida pública (em % do PIB) foram impulsionados por baixas taxas de crescimento, justificando uma política fiscal expansionista como forma de estimular a economia. A austeridade fiscal não seria a melhor maneira de curar as finanças públicas, pois agrava o ambiente recessivo, que reduz o PIB e aumenta, por conseguinte, a relação dívida/PIB. De toda forma, os dois argumentos são discutíveis.
Lorenzo Smaghi encontra um modo de deixar o debate sobre ajuste fiscal mais encorpado, em que a relação entre austeridade e crescimento é mais complexa. Em seu texto recente (aqui) argumenta que, para chegar nesse ponto insustentável, em que “a austeridade é a única opção”, estas economias da zona do euro sofreram com a miopia/estupidez de seus formuladores de política antes da crise econômica. Problemas estruturais fundamentais não enfrentados como o baixo acúmulo de capital humano, baixo crescimento da produtividade, endividamento excessivo - mesmo antes da eclosão da crise -, entre outros, contribuem para o fraco crescimento desses países. Ou seja, no limite, a austeridade fiscal imposta atualmente foi causada pelo baixo crescimento potencial desses países (por ausência de reformas pró-crescimento), e não o contrário. Enfim, vale, ao menos, a reflexão.  

Ausência de reformas pró-crescimento, baixo crescimento potencial e acúmulo excessivo de dívida pública. Qualquer semelhança...

* REINHART, C. M..; ROGOFF, K. S. “Growth in a Time of Debt”. The American Economic Review, v. 100(2), p. 573-78, maio, 2010.

** Por exemplo, TAYLOR, L.; PROAÑO, C. R.; CARVALHO, L.; BARBOSA, N. Fiscal deficits, economic growth and government debt in the USA. Cambridge Journal of Economics,v.36, p.189-204, 2012.

Ajuste fiscal: preliminares

A crise da zona do euro fez com que a palavra “austeridade” voltasse à tona. Não somente na Europa, onde o assunto é urgente, mas também nos Estados Unidos, onde existiu um impasse no congresso tanto em relação ao chamado “abismo fiscal” quanto à elevação do teto da dívida pública norte-americana. Com efeito, os déficits orçamentários de hoje tornam-se a dívida de amanhã – o ponto de partida é a existência de uma restrição orçamentária intertemporal que o governo deve respeitar. Sucessivos déficits podem elevar a dívida pública a um nível insustentável, ou, dada a natureza efêmera da confiança, causar um temor de default no mercado financeiro e ocasionar a chamada profecia autorrealizável. De toda forma, isso acarretaria uma crise fiscal. Antes do colapso, os mercados, preocupados com a possibilidade de calote, exigiriam prêmios de risco cada vez mais altos e a rolagem da dívida pública ficaria cada vez mais difícil. Todo esse desequilíbrio causado pela má gestão do orçamento público sufocaria qualquer possibilidade de crescimento econômico. Quando uma economia chega a esse ponto, os credores exigem um ajuste fiscal – corte de gastos/aumento de impostos como sinalização de que o país está comprometido a assumir suas responsabilidades e cumprir seus contratos.
Porém, o momento do ajuste fiscal está no centro do debate. Seria austeridade, em tempos de crise, “austericídio”? Um corte de gastos ou aumento de impostos poderia prejudicar ainda mais a economia de um país em crise, reduzindo a demanda agregada e agravando a conjuntura recessiva. Essa abordagem pró-cíclica é considerada autodestrutiva. Porém, como tratado anteriormente, o receio do calote gera uma crise de confiança nos mercados. O país endividado, que não tomou a decisão de reduzir seu déficit orçamentário, jamais teria credibilidade suficiente para tomar empréstimos e rolar sua dívida, embora a ideia de que o ajuste fiscal deva ser realizado pura e simplesmente para acalmar os mercados seja extremamente simplista – o ponto central, aqui, é a reestruturação do canal de crédito. De toda forma, o que se vê, no mundo real, é que poucos países têm condições de realizar políticas fiscais contracíclicas (aumento de gastos/corte de impostos para estimular a economia quando o ciclo econômico é desfavorável), somente os que em momentos de estabilidade e prosperidade reduziram seu déficit e sua dívida pública de alguma forma, ou aqueles que possuem sólida reputação ante os seus credores. Mais do que isso, em momentos de crise, é comum a realização de ajustes fiscais forçados.