sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A Escola Austríaca de Economia

Aqui vai minha primeira contribuição para o blog.

Com tanta econometria, modelos neoclassicos/neokeynesianos é hora de ver uma abordagem distinta tanto da economia quanto da ciência econômica. Antes de começar, faço a seguinte pergunta para os leitores do Leruaite (uns 2 ou 3 leitores...):

- Você já ouviu falar ou faz ideia do que seja a  Escola Austríaca de Economia?

Raramente nos cursos de graduação em economia se fala dessa escola, pior ainda é quando falam sem saber qual é a essência da teoria austríaca. Os princípios fundamentais são os que tornam essa escola única e distinta de todas as outras. Afinal, o que diabos é essa tal  de Escola Austríaca? É muito difícil responder essa pergunta em alguns posts, mas vou tentar deixar claro alguns fundamentos teóricos utilizados pela escola austríaca a fim de dar uma certa ideia do que se trata essa escola.

PRA COMEÇAR DO COMEÇO vamos falar um pouco sobre a história da Escola Austríaca e alguns de seus principais autores: 

A Escola Austríaca de Economia surgiu em 1871, quando Carl Menger (1840-1921) publicou o seu livro Princípios de Economia Política. Foi Menger que criou a famosa teoria do valor utilidade. "[...] o principal mérito deste autor consistiu em ter sabido recolher e impulsionar uma tradição do pensamento de origem católica e europeia continental que se pode fazer remontar até ao nascimento do pensamento filosófico na Grécia e, de forma ainda mais intensa, até à tradição de pensamento jurídico, filosófico e político da Roma clássica."

Depois de Carl Menger, foi seu discípulo Eugen von Böhm-Bawerk (1851-1914) que deu continuidade e um importante impulso teórico na Escola Austríaca. Böhm-Bawerk foi catedrático de Economia Política em Innsbruck e depois em Viena, chegou a ser ministro do governo do Império Austro-Húngaro em várias ocasiões. Ele contribuiu para o aperfeiçoamento e divulgação da teoria subjetivista iniciada por Menger e expandiu sua aplicação para o campo teórico do capital e do juro. No seu livro Capital e Juro, onde é analisada a economia através da teoria subjetiva e dinâmica dos preços, é que se constroem as raízes da teoria austríaca do capital. 

Ludwig Edler von Mises (1881-1973) foi quem conseguiu aplicar a essência teórica iniciada por Menger em vários campos teóricos no âmbito da economia e consolidou a Escola Austríaca no século XX. Mises foi um dos mais brilhantes alunos de Böhm-Bawerk na Universidade de Viena, juntamente com J.A. Schumpeter. Mises aplicou melhor que ninguém esta concepção dinâmica do mercado a novas áreas onde não se havia ainda aplicado o ponto de vista analítico da Escola Austríaca, impulsionando o seu desenvolvimento no âmbito da teoria monetária, do crédito e dos ciclos econômicos, desenvolvendo uma refinada teoria da função empresarial como força coordenadora do mercado e depurando os fundamentos metodológicos da Escola e a teoria dinâmica como alternativa às concepções baseadas no equilíbrio." 

Friedrich August von Hayek (1899-1992) Prêmio Nobel de Economia em 1974 por seu trabalho no âmbito da teoria dos ciclos. Hayek produziu várias obras e de grande influência atualmente nos âmbitos econômicos, filosóficos e políticos. Hayek e Mises foram os mais importantes economistas da Escola Austríaca no século XX. Hayek dedicou as primeiras décadas da sua atividade acadêmica ao estudo dos ciclos, seguindo a linha teórica iniciada por Mises, mas realizando uma série de contribuições próprias de grande importância, de tal forma que o principal motivo declarado pela Academia sueca para lhe atribuir o Prêmio Nobel de 1974 foi precisamente o seu trabalho no âmbito da teoria dos ciclos, realizado durante os anos trinta do século XX. 

A Escola Austríaca se diferencia em vários aspectos das teorias econômicas convencionais. Uma das características únicas da teoria austríaca é a “praxeologia”, entendida como a lógica da ação. Tal nomenclatura foi criada por Mises para ressaltar a condição de ciência pura da ciência econômica, que mais se assemelha a lógica aplica do que as ciências naturais empíricas.

O próximo post irá analisar o conceito de Ação Humana.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Miopia revisitada e inflação

A expectativa do Leruaite para o comportamento dos preços é bem menos animadora que para o crescimento. Acreditamos que a política econômica míope tem alguma responsabilidade sobre a queda do investimento, porém muita responsabilidade sobre a aceleração da inflação. Má intenção ou objetivos políticos e eleitorais não entram nessa discussão. Além do que foi citado aqui, dividimos a tragédia em três atos.

1) O céu é o limite
A miopia começa quando Guido Mantega enterra “o mito do PIB potencial” (aqui). Entre 2003 e 2006 o PIB brasileiro cresceu, em média, 3,5%. O robusto PIB em 2007 inflou o ego do ministro da fazenda, que negou a existência de um limite para o crescimento econômico sem a contrapartida da aceleração do nível de preços. Veja que a política fiscal foi expansionista entre 2005 e 2006, bem como a partir do terceiro trimestre de 2007 (aqui). Sabemos que deslocamentos da demanda agregada, no curto prazo, afetam o produto. Após isso, o produto tende a retornar ao seu nível natural e o nível de preços tende a aumentar. A política fiscal expansionista praticada impulsionou a economia, sem falar na incrível conjuntura econômica internacional, com a alta de preços das commodities e abundância de liquidez no mercado. Ou seja, o vigoroso crescimento apresentado em 2007 não poderia ser sustentado indefinidamente, como, de fato, não foi. O ministro confundiu desvios de curto prazo com tendência de longo prazo do crescimento do PIB.

2) Intensificação dos estímulos
A existência de capacidade ociosa na economia brasileira no início do boom foi um fator importante para que houvesse queda da taxa de desemprego sem a aceleração da inflação. Nesse post (aqui) nós falamos sobre a existência de um trade-off de curto prazo entre inflação e desemprego, bem como sobre a NAIRU – taxa de desemprego que não acelera a inflação. Nesse outro post (aqui) nós estimamos a NAIRU (constante) para o período entre 2003T2 e 2012T4 e vimos que a taxa de desemprego está abaixo da NAIRU desde o segundo trimestre de 2010. Então, a intensificação das políticas fiscal e parafiscal, já esgotada a capacidade ociosa, gerou uma demanda excessiva que pressionou o nível geral de preços e deteriorou o saldo das contas externas do país. Além disso, a partir do terceiro trimestre de 2011, nesse cenário de demanda aquecida, o Banco Central passou a reduzir a taxa básica de juros. Fica fácil entender o motivo do aperto monetário a partir do segundo trimestre de 2013.   

3) Ciclo do investimento e redução da contribuição do consumo para o crescimento
Por último, reafirmamos a posição do último post sobre o desequilíbrio ocorrido em 2010. O aumento do estoque de capital da economia (importante para o aumento do PIB potencial) somente se realiza com o crescimento sustentado do investimento  e não com alguns trimestres de investimento excessivo. Veja também que o investimento, antes de influenciar o PIB potencial, é um componente importante da demanda. A tentativa de incentivá-lo com a redução da taxa de juros, oferta maciça de crédito subsidiado, desonerações tributárias e etc. veio numa hora/de uma forma errada, sendo o impacto dessas ações bem mais fraco do que o previsto (porém o seu custo não pode ser negligenciado). A falta de sensibilidade dos formuladores de política quanto ao novo patamar da contribuição do consumo das famílias para o crescimento do PIB também merece destaque. Aparentemente, o governo não se preparou para o fim do bônus, ou pensou que tudo continuaria dando certo mesmo não trabalhando para manter a sua sorte.

A confiança excessiva, refletida nas sucessivas previsões otimistas do ministro da fazenda, é um exemplo chave da miopia dos formuladores de política. O que a realidade está mostrando é que o PIB brasileiro não pode crescer 5%. Nos últimos anos a infraestrutura do país não melhorou, não houve aumento sustentado do investimento, não houve adoção de novas tecnologias num nível agregado, não houve grande acúmulo de capital humano, ainda é complicado fazer negócios no país e etc. Então, a capacidade de crescimento da economia brasileira sempre foi em torno de 3,5%. Não era diferente disso há 4-5 anos e não mudou recentemente por conta dos sucessivos tropeços da "nova matriz econômica". O que não quer dizer que as mancadas da política econômica não tenham consequências. A inflação acelerada já era prevista pela macroeconomia em nível introdutório (aqui). O próximo passo pode ser o ajuste fiscal forçado (aqui).   

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Cenário para o crescimento do PIB em 2014 (PARTE II)

Voltei! Deu mais trabalho que pensei. Respira fundo e se prepara para a aventura. A tabela abaixo mostra a contribuição (em %) das variáveis consumo (C), investimento (formação bruta de capital fixo + estoques) e exportações líquidas (BC) para o crescimento do PIB, entre 2006 e 2012 – não incluímos 2013 porque os dados do último trimestre ainda não estão disponíveis.


O cenário especulado toma como base algumas proposições macroeconômicas simplificadoras e explora a relação “ambiente externo adverso + câmbio valorizado = redução de investimento”, com passagem extremamente relevante pelo novo patamar de consumo das famílias brasileiras e por 2010, ano de forte acúmulo de estoques. Questões de âmbito microeconômico (produtividade do trabalhador, falta de inovação tecnológica, etc.) relacionadas à competitividade da indústria ainda não serão tratadas. O foco é a retomada do investimento em 2014, apesar da política econômica míope/guerra psicológica (fique à vontade para escolher).

1) Ambiente externo adverso
Crises com a do subprime e a da zona do euro afetam negativamente as expectativas dos agentes – mudam a percepção dos consumidores quanto ao avanço da renda e a percepção por parte das firmas sobre a evolução de suas vendas (tanto internas quanto externas). Então, dado o cenário externo adverso, o consumo privado tende a cair, o investimento tende a cair e as firmas se desfazem ou deixam de acumular estoques. Veja o que aconteceu em 2009 (tabela).

2) Real mais forte
A política monetária agressiva dos EUA afetou as taxas de câmbio por todo o mundo e, somada com a política fiscal brasileira persistentemente expansionista (aqui), apreciou o Real. O Real apreciado frente ao dólar (ou seja, dólar mais barato) favoreceu as importações, que competiram com os produtos nacionais, e encareceu as exportações brasileiras, prejudicando as firmas locais. Observação: o dólar mais barato em 2010 foi importante para a absorção doméstica preencher a capacidade ociosa proveniente de 2009. As firmas puderam importar insumos mais baratos para a fabricação de seus produtos e as famílias puderam consumir sem que houvesse forte pressão inflacionária. Porém, em 2011, o Real continuou sua trajetória de apreciação, com o dólar chegando a R$1,55 no mês de julho.

3) Desequilíbrio em 2010
Aqui o nosso ponto: o volume de investimento alcançado entre o último trimestre de 2009 e até o primeiro semestre de 2011 foi excessivo e não se realizou, como o esperado, em vendas. Esse investimento, que cresceu a uma taxa média de 16,2% entre 2009T4-2011T2, concorreu com o cenário externo desfavorável, as importações mais baratas em 2011/2012 e, principalmente, com a redução do consumo das famílias. Tomamos 2010 como ano chave desse desequilíbrio (olha a tabela, FBKF + estoques). Veja que esse nível de investimento foi puxado por um crescimento não menos impressionante do PIB – média de 6,2% no mesmo período. Note o mecanismo de transmissão: o alto crescimento do PIB aumenta o lucro atual, o alto crescimento do PIB esperado aumenta o lucro esperado e essa percepção de lucro alto (atual e futuro) afeta o investimento hoje. Veja também que o ritmo de consumo das famílias, entre 2009T4-2011T2, em média, foi de 6,71% e que, entre 2011T3-2013T3, caiu para 2,77% (olha o gráfico).


De forma mais clara, a “impressionante” recuperação do Brasil diante da crise do subprime (primeiro choque externo adverso) se refletiu em forte aumento da formação bruta de capital fixo e de estoques (veja na tabela). Com o aprofundamento da crise da zona do euro em 2011/12 (segundo choque), a demanda externa foi novamente reprimida e as exportações caíram. Além disso, e, principalmente, a demanda interna diminuiu – a contribuição do consumo das famílias para o crescimento do PIB declinou a partir de 2011. Depois de exauridos os ganhos da redução da taxa de desemprego/incremento da renda no mercado de trabalho, esse novo patamar da contribuição do consumo das famílias para o crescimento econômico parece ser natural e não parece ter sido previsto. Você também pode considerar o cenário externo adverso como outro fator de redução do consumo privado (expliquei lá em cima).
Tudo isso exigiu um longo ajuste para baixo dos estoques por parte das firmas, que ainda competiram com as importações baratas (real apreciado/dólar mais barato). Então, mesmo com a redução da taxa de juros, oferta maciça de crédito barato via bancos públicos, desonerações tributárias, entre outros subsídios, só houve reação do investimento a partir de 2013 (gráfico).
Com o ajuste dos estoques das firmas brasileiras, câmbio desvalorizado (dólar mais caro, valendo R$ 2,39) e uma sensível melhora do crescimento das economias avançadas, bem como a continuidade dos programas de concessão de infraestrutura/petróleo, o Leruaite espera um aumento do investimento em 2014.
Que os meus três leitores (fala, pai!) não tomem como verdade absoluta o que foi exposto. Estamos interessados em mudar o foco da discussão atual sobre o crescimento de curto prazo. Nada fez sentido? Encontrou alguma inconsistência? Comente! Ainda volto ao assunto (miopia revisitada e inflação). 

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Cenário para o crescimento do PIB em 2014 (PARTE I)

Vamos aos pitacos sobre 2014. Afinal, que tipo de conversa fiada não envolve futurologia?

O Leruaite acredita num crescimento do PIB entre 2,8-3%. O IBRE prevê 1,8%, o Itaú 1,9%, os analistas 2% (média do boletim focus) e o Banco central 2,3%. Otimismo? Talvez! A ideia é um crescimento perto do potencial (depois eu explico). Em primeiro lugar, várias ressalvas – os fatores de risco que pesam sobre esse crescimento perto do potencial. Os menos otimistas trabalham com a “hipótese da ignorância” – a execução de uma política econômica míope por parte do governo, caracterizada por intervencionismo estatal exagerado na economia e estímulos excessivos à demanda agregada. De um lado, a conhecida “contabilidade criativa” afeta a credibilidade da política fiscal, que estaria muito frouxa desde a crise econômica de 2008/09 e não seria suficiente para colocar a dívida pública em uma trajetória sustentável (com a possibilidade do rebaixamento do rating brasileiro pelas agências de classificação de risco). Pelas bandas do Banco Central, o problema foi a demora de sua resposta (via aumento da taxa de juros) para a nítida aceleração do nível de preços no ano passado. Essa resposta lenta seria fruto de uma acomodação por parte da autoridade monetária com a inflação acima da meta de 4,5%. Para alguns, o presidente do Banco Central teria sido capturado e forçado a baixar a taxa de juros por simples vontade da presidenta. Outros detalhes entram nessa lista, como a política de represamento dos preços administrados (tarifas de ônibus, gasolina, etc.) por parte do governo para disfarçar a inflação e o excesso de crédito subsidiado ofertado pelos bancos públicos (BNDES principalmente), que tem uma relação custo/benefício bastante duvidosa – aumenta a dívida pública/gastos com juros e não afeta de forma incisiva o investimento/seleciona projetos altamente questionáveis. Essa tal política econômica míope aumenta a incerteza, mina a confiança do setor privado (inibe os espíritos animais) e afasta o investimento necessário para um crescimento sustentável. Para a presidenta, isso não passa de uma guerra psicológica (aqui).

O Leruaite reconhece a miopia do governo, mas prefere se arriscar tomando outro caminho. O objetivo é tentar mostrar que o investimento, apesar de tudo, deve crescer em 2014. E que esse crescimento seria um processo natural após o ajuste de estoques no biênio 2011/12. Contamos ainda com uma melhora sensível da demanda externa e com um câmbio desvalorizado, que favorece as exportações, além da continuidade dos programas de concessão de infraestrutura e de exploração do pré-sal. Volto logo.