Muita gente inteligente falou
sobre isso (aqui, aqui, aqui, etc.), talvez assunto já ultrapassado. Porém, o
Leruaite tem que voltar das férias. E começa falando sobre o Banco Central de modo um pouco diferente.
No passado
Um caso bastante estudado na literatura econômica é a existência de “dominância fiscal” (toma-se, aqui, a visão tradicional, de Sargent e Wallace (1981)). Por exemplo, para atender os desejos de determinados grupos políticos, por miopia, por populismo econômico – medidas que enfatizam o crescimento e distribuição de renda em detrimento dos riscos de inflação, restrições externas e necessidades de financiamento do setor público –, entre outros motivos, o setor público gera sucessivos déficits orçamentários. Esse quadro de deterioração fiscal pode suscitar uma perspectiva de calote (aqui) e provocar uma taxa de juros maior que a de crescimento econômico que, somada aos déficits fiscais persistentes, cria uma trajetória explosiva para a dívida, impossibilitando o financiamento do setor público via mercado de títulos. Na fase final desse processo, a autoridade monetária é forçada a criar moeda de forma a gerar receita para o governo cobrir suas necessidades de financiamento – a tal da senhoriagem, um dos principais elementos responsáveis pela inflação de longo prazo.
Pois é! A senhoriagem, no passado não muito distante, teve papel relevante no
financiamento do setor público brasileiro (Pastore (1994), Rocha (1997)), e o nosso período de hiperinflação guarda muita relação com esse fato. Um Banco
Central que possui autonomia pode rejeitar a monetização da dívida, fazendo o governo atuar de forma responsável em relação à sua restrição
orçamentária intertemporal.
Após o Plano Real e,
principalmente, a partir da introdução do regime de metas de inflação, a autoridade
monetária brasileira teve bastante autonomia. Por exemplo, fixou a taxa de
juros de curto prazo de acordo com seu entendimento, mesmo com o expressivo
aumento da relação dívida/PIB (após o Plano Real e até 2002). Para isso, houve reação do setor público de
forma a produzir superávits primários, necessários para estabilizar esse
processo de elevação do endividamento público, além do abandono das
receitas de senhoriagem. Nesse tempo, decisões difíceis foram tomadas, dado o comprometimento
dos grupos políticos com a baixa inflação, e o caminho percorrido foi bastante longo na
construção da credibilidade para as políticas fiscal e monetária.
De volta para o presente
Nas últimas semanas, a discussão sobre a autonomia do Banco Central esteve no centro do debate eleitoral. O assunto é de suma importância, até aí tudo bem. O problema é que a maneira que o assunto vem sendo tratado não faz muito sentido. Por quê? Segundo uma série de critérios estabelecidos por Roger e Stone (2005), Tuladhar (2005) e Hammond (2012), o BACEN brasileiro é um dos que possui maior autonomia dentre aqueles que adotam o regime de meta de inflação – sendo esta autonomia firmada já dentro das diretrizes do Plano Real e reafirmada pelo próprio Lula ao assumir a presidência (clique na tabela abaixo).
A continuidade desta autonomia é
também, pelo menos no discurso, consenso entre os 3
presidenciáveis com chance real de vitória. A questão deveria centrar-se, em um
debate minimamente sério, na necessidade (ou não) de institucionalizar esta
autonomia, isto é, firmar em lei a independência do BACEN para o cumprimento de
seu objetivo único de conservar o poder de compra da moeda: o que, dentro da
proposta da candidata Marina Silva, significa basicamente permitir mandato fixo
ao presidente da referida instituição. Nessa perspectiva sim, há visões
distintas. Dilma e Aécio acham que a autonomia operacional seria suficiente.
No cenário econômico atual existe
a percepção de que o último governo seria complacente com taxas de inflação
fora da meta – o teto da meta teria se tornado o centro da meta – indicando que
o BACEN estaria sob pressão política para baixar a Selic, não perseguindo a
meta de inflação estipulada. Deste modo,
tornar lei a independência de nossa autoridade monetária seria uma boa
iniciativa para recobrar sua credibilidade e tornar crível para os agentes econômicos à crença no compromisso do
BACEN em perseguir seu objetivo de manter o poder de compra da moeda.
Assim, ao contrário do propagado no horário eleitoral, a legalização da
autonomia do BACEN garantiria uma menor influência externa (do próprio governo)
na sua tomada de decisão, permitindo maior eficiência no combate a inflação.
*Felipe Bastos, uma das novas contratações do Leruaite, foi responsável pela maior parte do trabalho. Yuri Lacerda vem aí.
A verdade é que no Governo atual, instituições historicamente bastante respeitadas como IBGE, IPEA e BACEN vêm perdendo credibilidade, tornando-se motivo de chacotas na sociedade. Essa discussão acerca da independência do BACEN foi mais uma das armas usadas pelo partido governista para tentar ludibriar a população mais leiga no assunto através da tática do medo, visto que a candidata oposicionista é amplamente a favor da independência do Bacen e tem ligações com banqueiros. A autonomia e independência do Banco Central são essenciais para manter (ou recuperar) a sua credibilidade.
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