terça-feira, 30 de setembro de 2014

It's the economy, stupid!

Um dos tópicos que economistas e cientistas políticos compartilham é a relação entre ciclo eleitoral e ciclo econômico. Perceba, é até intuitiva a ideia de que uma boa média de crescimento do PIB favoreça a avaliação de quem está no poder.  Pois é! Cruzei os dados da avaliação dos presidentes (último ano do mandato, no mês de agosto), desde o Collor* até a Dilma, com o crescimento médio do PIB nos quatro trimestres antes da pesquisa. A correlação é bastante forte e positiva.
O campeão de aprovação é o segundo mandato do Lula. Em agosto de 2010 ele teve 79% de aprovação e saiu da presidência da república com 83% dos brasileiros avaliando seu governo como ótimo ou bom. A essa altura, você já deve estar associando essa aprovação impressionante com o excelente crescimento do PIB no ano de 2010 (7,5%). 


Bom, já sobre reeleição... Nos casos do primeiro governo FHC e do governo Dilma, tanto o nível de aprovação quanto a média de crescimento do PIB estão próximos (aprovação: 39% FHC; 35% Dilma/crescimento do PIB: 1,8% FHC; 1,4% Dilma). E, se você não lembra, FHC levou no primeiro turno**. Isso quer dizer que a Dilma leva no primeiro turno? Sei lá!
Segundo nossa regressão marota/espúria (clica no gráfico), se o crescimento médio do PIB entre 2013-T3 e 2014-T2 tivesse sido a metade do que foi (ou seja, de 0,7%), a aprovação do governo Dilma seria algo em torno de 23%. Com 23% de aprovação, o FHC não conseguiu eleger o José Serra em 2002. O que isso quer dizer? Provavelmente, nada! ( Ou o que deveria ter acontecido para que a oposição pudesse vencer a disputa esse ano/que só não há reeleição quando o ciclo econômico é muito, muito ruim/que a Dilma teve sorte/que a máquina pública ajuda demais na reeleição)Claro, partindo do pressuposto que 23% de aprovação é limiar de alguma coisa. 

* Coloquei o Collor só para ele não ficar bolado comigo. A última pesquisa de avaliação do governo dele foi em junho de 1992, ou seja, contaminou ainda mais minha minúscula amostra. Os dados são do Datafolha.
** Em tempo: a última avaliação ruim/péssimo do governo Dilma é de 26%, contra 18% do FHC em agosto de 1998.
Mais sobre ciclo eleitoral num futuro próximo. Comente!!

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Mais uma vez sobre a independência do Banco Central*

Muita gente inteligente falou sobre isso (aqui, aqui, aqui, etc.), talvez assunto já ultrapassado. Porém, o Leruaite tem que voltar das férias. E começa falando sobre o Banco Central de modo um pouco diferente.

No passado

Um caso bastante estudado na literatura econômica é a existência de “dominância fiscal” (toma-se, aqui, a visão tradicional, de Sargent e Wallace (1981)). Por exemplo, para atender os desejos de determinados grupos políticos, por miopia, por populismo econômico – medidas que enfatizam o crescimento e distribuição de renda em detrimento dos riscos de inflação, restrições externas e necessidades de financiamento do setor público –, entre outros motivos, o setor público gera sucessivos déficits orçamentários. Esse quadro de deterioração fiscal pode suscitar uma perspectiva de calote (aqui) e provocar uma taxa de juros maior que a de crescimento econômico que, somada aos déficits fiscais persistentes, cria uma trajetória explosiva para a dívida, impossibilitando o financiamento do setor público via mercado de títulos. Na fase final desse processo, a autoridade monetária é forçada a criar moeda de forma a gerar receita para o governo cobrir suas necessidades de financiamento – a tal da senhoriagem, um dos principais elementos responsáveis pela inflação de longo prazo.
Pois é! A senhoriagem, no passado não muito distante, teve papel relevante no financiamento do setor público brasileiro (Pastore (1994), Rocha (1997)), e o nosso período de hiperinflação guarda muita relação com esse fato. Um Banco Central que possui autonomia pode rejeitar a monetização da dívida, fazendo o governo atuar de forma responsável em relação à sua restrição orçamentária intertemporal.
Após o Plano Real e, principalmente, a partir da introdução do regime de metas de inflação, a autoridade monetária brasileira teve bastante autonomia. Por exemplo, fixou a taxa de juros de curto prazo de acordo com seu entendimento, mesmo com o expressivo aumento da relação dívida/PIB (após o Plano Real e até 2002). Para isso, houve reação do setor público de forma a produzir superávits primários, necessários para estabilizar esse processo de elevação do endividamento público, além do abandono das receitas de senhoriagem. Nesse tempo, decisões difíceis foram tomadas, dado o comprometimento dos grupos políticos com a baixa inflação, e o caminho percorrido foi bastante longo na construção da credibilidade para as políticas fiscal e monetária.

De volta para o presente

Nas últimas semanas, a discussão sobre a autonomia do Banco Central esteve no centro do debate eleitoral. O assunto é de suma importância, até aí tudo bem. O problema é que a maneira que o assunto vem sendo tratado não faz muito sentido. Por quê? Segundo uma série de critérios estabelecidos por Roger e Stone (2005), Tuladhar (2005) e Hammond (2012), o BACEN brasileiro é um dos que possui maior autonomia dentre aqueles que adotam o regime de meta de inflação – sendo esta autonomia firmada já dentro das diretrizes do Plano Real e reafirmada pelo próprio Lula ao assumir a presidência (clique na tabela abaixo).


A continuidade desta autonomia é também, pelo menos no discurso, consenso entre os 3 presidenciáveis com chance real de vitória. A questão deveria centrar-se, em um debate minimamente sério, na necessidade (ou não) de institucionalizar esta autonomia, isto é, firmar em lei a independência do BACEN para o cumprimento de seu objetivo único de conservar o poder de compra da moeda: o que, dentro da proposta da candidata Marina Silva, significa basicamente permitir mandato fixo ao presidente da referida instituição. Nessa perspectiva sim, há visões distintas. Dilma e Aécio acham que a autonomia operacional seria suficiente.
No cenário econômico atual existe a percepção de que o último governo seria complacente com taxas de inflação fora da meta – o teto da meta teria se tornado o centro da meta – indicando que o BACEN estaria sob pressão política para baixar a Selic, não perseguindo a meta de inflação estipulada. Deste modo, tornar lei a independência de nossa autoridade monetária seria uma boa iniciativa para recobrar sua credibilidade e tornar crível para os agentes econômicos à crença no compromisso do BACEN em perseguir seu objetivo de manter o poder de compra da moeda.
Assim, ao contrário do propagado no horário eleitoral, a legalização da autonomia do BACEN garantiria uma menor influência externa (do próprio governo) na sua tomada de decisão, permitindo maior eficiência no combate a inflação.

*Felipe Bastos, uma das novas contratações do Leruaite, foi responsável pela maior parte do trabalho. Yuri Lacerda vem aí.