segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Corrupção, ineficiência e desenvolvimento na América Latina

Este é um post ilustrativo sobre a importância das instituições para o desenvolvimento econômico. Os gráficos abaixo eu copiei adaptei do novo livro do Alan Greenspan – o mapa e o território. O que não quer dizer que foi fácil...  Ah, o livro é muito bom! Alan, meu parceiro, o Leruaite Econômico agradece esse e, antecipadamente, mais alguns futuros posts.
Cruzamos os dados* do “índice de governança mundial” e da renda per capita dos países latino-americanos. As duas dimensões escolhidas foram “eficácia do governo” – mede a qualidade dos serviços públicos, competência da administração pública, qualidade da formulação das políticas, etc. – e “controle da corrupção” – mede até que ponto o poder público é exercido em benefício privado, inclusive as pequenas e grandes formas de corrupção, além do “aprisionamento” do estado pelas elites e pelos interesses privados. Pois bem, para quem tiver interesse, são seis dimensões de governança no total e os dados do índice se encontram aqui. Os dados do PIB per capita eu puxei da base do Fundo Monetário Internacional (aqui).


O PIB per capita (US$ int. corrente, PPC) está em log e, se eu ainda sei alguma coisa de geografia, a América Latina está em peso no gráfico (Cuba ficou de fora por falta de dados). Chile e Uruguai mandaram absurdamente bem e são os melhores da América Latina em termos de controle da corrupção. O Brasil é o quarto melhor (porém, bem distante dos três primeiros colocados e com um índice negativo). Venezuela e Haiti ficaram quase empatados na última posição. Em termos de renda per capita, o Brasil ocupa a oitava posição. Para não deixar passar em branco, o leruaite fez aquela regressão marota (lembre-se que o número de observações é reduzido e uma análise em corte transversal é bem mais apropriada, com mais variáveis explicativas). Então, segundo essa métrica, para o nosso “nível de corrupção”, deveríamos possuir a renda per capita do Equador! A Venezuela é um outlier, com uma alta renda per capita e um baixo controle da corrupção. Retirando a Venezuela da amostra, o modelo se ajusta melhor – obtemos um R² de 0,41. Prosseguindo com nosso “leruaite institucional”, agora vamos tentar encontrar uma relação entre a competência dos governos e o grau de desenvolvimento econômico dos países em questão. 


Nenhuma novidade. Um governo competente está fortemente associado a um maior grau de desenvolvimento econômico. Chile, Costa Rica, Uruguai e México ocupam as quatro primeiras posições em termos de eficácia do governo, dentre os latino-americanos. O Brasil é o sétimo colocado. Venezuela (novamente um outlier) e Haiti disputam a última posição, como no caso do controle de corrupção. O segundo modelo mostra que, dada a “competência” da nossa administração pública, deveríamos possuir uma renda per capita parecida com a da República Dominicana! Mesmo com um nível de corrupção alto e uma má administração pública, conseguimos uma renda per capita razoável. Ou, de outra forma, poderíamos estar em uma situação bem melhor se não fossem esses “detalhes”. A interpretação é livre no leruaite e você pode comentar à vontade. Em tempo: Chile, Uruguai e Costa Rica mostram que a boa governança não é somente privilégio dos países desenvolvidos.


*Utilizei os dados de 2012 por serem os mais recentes e quero deixar claro que não estou me referindo a nenhum governo de forma específica, já que os indicadores brasileiros de corrupção e eficácia não apresentaram nenhuma evolução. Os dados mais antigos são do ano de 1996. 

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

A economia dos economistas: NAIRU e inflação (Parte II)

A partir de agora, nós faremos um exercício econométrico rápido e maroto para ter uma noção superficial da tal da NAIRU para o Brasil, entre 2003 e 2012. O modelo é linear e envolve inflação efetiva, inflação esperada (com expectativa formada no trimestre anterior) e taxa de desemprego – modelo padrão encontrado nos livros de macroeconomia/econometria. Os dados (dúvidas nos comentários) foram convertidos, por média, para base trimestral. O primeiro trimestre de 2003 foi excluído para reduzir a contaminação dos preços, devido ao “efeito-Lula”, no final de 2002. Os três trimestres disponíveis de 2013 foram excluídos porque houve forte contenção dos preços administrados por parte do governo. A estimação foi realizada por mínimos quadrados ordinários.


A NAIRU constante implícita nesse resultado é 7,46% (1,81/0,2426). Esse valor nos dá apenas uma noção da “taxa de desemprego de equilíbrio”, pois o modelo é bastante simplificado. Além disso, assumimos uma NAIRU constante ao longo de toda a amostra (provavelmente ela está menor, em torno de 6-6,5%). Economia não é uma ciência exata e nem tratamos esse valor como um limiar para que o governo passe a buscar o desemprego. Com as devidas ressalvas, prosseguiremos.

O gráfico acima mostra a evolução da taxa de desemprego no Brasil, de 2003-T1 até 2013-T3, que no início do governo Lula era de, aproximadamente, 12%, bem acima da NAIRU que nós estimamos. Existia um grande espaço para a redução do desemprego, sem a contrapartida da aceleração do nível de preços. Ou seja, uma política econômica de curto prazo, que estimulasse a demanda agregada, contribuiria para a redução da taxa de desemprego sem, necessariamente, aumentar continuamente a taxa de inflação. Contudo, a partir da metade do ano de 2010, a taxa de desemprego persistiu abaixo do valor da (nossa) NAIRU, atingindo sucessivas mínimas históricas (o último valor da série é 5,43%). Nesse contexto, há pouca possibilidade da taxa de desemprego continuar caindo sem a aceleração do nível de preços – a inflação de preços livres (que não sofrem interferência do governo como o caso da energia, combustível, tarifas de ônibus, etc.) acumulada em 12 meses é de 7,14% (out/2013). Novamente, não estou dizendo que o governo deveria buscar o aumento do desemprego. Porém, a partir do momento em que o mercado de trabalho está pressionado, olhar para as condições de oferta da economia é essencial (aqui)

A economia dos economistas: NAIRU e inflação (Parte I)

Semana passada eu li um artigo que aborda “a economia do povo x a economia dos economistas” (aqui). A economia do povo, atualmente, vai bem. O nível de desemprego está em baixa recorde, o rendimento real está aumentando e, ao longo dos últimos anos, o padrão de consumo das famílias aumentou bastante. Essa sensação de bem-estar não seria compatível com as críticas de boa parte dos economistas em relação à política econômica do governo, que estaria deteriorando os fundamentos da economia brasileira. Caso a economia do povo continue indo bem, é difícil descartar uma reeleição da Dilma. Então, o autor do artigo questiona: “Mas será que essas duas economias, a dos economistas e a do povo, podem continuar divergindo assim por muito tempo?”. Aqui uma discussão sobre o que “três grupos de economistas” pensam sobre uma possível mudança (ou não) de postura da política econômica no futuro. Nesse e nos próximos posts (não necessariamente sequenciais) eu pretendo dar a minha suja e juvenil contribuição sobre a “economia dos economistas” para os não economistas, da forma mais didática e apartidária possível. Começaremos com uma importante aplicação empírica da macroeconomia: a curva de Phillips.
Originalmente, essa curva formalizou a existência de uma relação inversa entre a taxa de desemprego e a variação dos salários nominais. A ideia é estabelecer relações simples no processo de interação entre os agentes no mercado de trabalho. Em momentos de expansão da atividade econômica, o mercado de trabalho fica mais aquecido e o desemprego cai. Uma taxa de desemprego menor aumenta o poder de barganha dos trabalhadores e leva a um aumento do salário nominal. Expandindo o raciocínio, ao menos parte desse aumento de salário é repassada aos preços fixados pelas empresas, o que aumenta o nível geral de preços. Em resposta ao aumento do nível geral de preços, os trabalhadores, na próxima negociação de contratos, pedem um aumento no salário nominal. Esse aumento de custos novamente é repassado aos preços fixados pelas empresas e assim sucessivamente, formando uma espiral de preços e salários. Nesse sentido, os formuladores de política econômica poderiam manter uma taxa de desemprego mais baixa para sempre, desde que estivessem dispostos a tolerar uma inflação mais alta.
Desde a publicação desse estudo, em 1958, muita coisa mudou em relação à curva de Phillips e não temos espaço para aprofundar todos os detalhes. Porém, esse trade-off entre inflação e desemprego não persiste indefinidamente, pois ignora o processo de formação de expectativas dos agentes. Uma formulação razoavelmente recente relaciona a variação da taxa de inflação e a taxa de desemprego, envolvendo o conceito de taxa de desemprego não aceleradora da inflação (NAIRU). A NAIRU seria uma espécie de “taxa de desemprego de equilíbrio”, que manteria a taxa de inflação constante, na ausência de quaisquer choques de oferta (como, por exemplo, os choques no preço do petróleo na década de 70). O raciocínio empregado por essa formulação é o seguinte: quando a taxa de desemprego efetiva é menor que a de equilíbrio, a taxa de inflação aumenta continuamente. Então, faremos considerações a respeito do mercado de trabalho brasileiro por meio da comparação com essa “taxa de desemprego de equilíbrio”.  

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Balanço fiscal estrutural e impulso fiscal

Uma forma de medir a postura da política fiscal executada pelo governo é calcular o “balanço fiscal estrutural”. É difícil fazer esse cálculo, mas a ideia é simples. Em geral, receitas não recorrentes (contabilidade criativa, por exemplo) são excluídas do resultado fiscal, que é ajustado para o ciclo econômico e preço de commodities. Assim, com esse cálculo, o componente discricionário da política fiscal é separado do ambiente econômico, sendo possível avaliar se a postura fiscal foi expansionista, contracionista ou neutra. Um aumento ou queda do resultado fiscal estrutural sinalizaria uma ação intencional do formulador de política, por exemplo, na direção de desestimular/estimular a economia.
A área de macro do Itaú disponibiliza uma série do superávit primário estrutural (aqui), bem como a metodologia para o seu cálculo (aqui), com uma atualização (aqui, no apêndice). Como exercício, fizemos uma medida de impulso fiscal calculando o negativo da variação do superávit primário estrutural (em relação ao mesmo trimestre do ano anterior). Valores positivos (negativos) do impulso denotam uma política fiscal expansionista (contracionista). Outros estudos recentes (aqui, aqui e aqui, por exemplo) também calculam o superávit primário estrutural e o impulso fiscal para o Brasil.
No gráfico abaixo estão os valores do impulso fiscal, entre o quarto trimestre de 2000 e o segundo trimestre de 2013. Nota-se que, mesmo com uma sucessiva geração de superávits primários desde o ajuste fiscal de 1999, a política fiscal do setor público foi, em sua maior parte, expansionista (em 31 dos 51 trimestres relacionados).


Continuando o leruaite do último post, a adoção de um intervalo para a meta de superávit primário é bastante superficial.  O ciclo econômico foi ruim, a arrecadação piorou e o primário diminuiu. Isso pode até reduzir o constrangimento do governo por não cumprir a meta cheia que estava programada, mas não consegue captar a discricionariedade da política fiscal, disfarçada de ação contracíclica desde o pós-crise – note que, entre 2005 e 2008, a política fiscal foi sistematicamente frouxa, mesmo com um ciclo econômico favorável. 

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Política fiscal ideal?

Semana passada, eu vi outra discussão (aqui) sobre a implementação de uma banda para o superávit primário brasileiro. A ministra da casa civil já havia defendido essa regra. É como o sistema metas de inflação. A ideia, basicamente, é fazer com que o nível de superávit primário varie (dentro de um intervalo pré-estabelecido) de acordo com o ciclo econômico – quando o crescimento for baixo, a meta do superávit primário poderia ser reduzida. O economista entrevistado no artigo em questão elabora uma regra simples: “... quando o crescimento da economia se situar entre 3% e 4%, o superávit primário, sem nenhum tipo de abatimento, teria que se situar entre 2,5% e 3% do PIB. Quando o crescimento fosse superior a 4%, o primário seria de 3% do PIB. Quando a economia crescesse entre 2% e 3%, o primário poderia situar-se entre 2% e 2,5% do PIB. E quando crescesse menos do que 2%, o primário poderia ficar no intervalo de 1,5% e 2% do PIB.” Notou o foco no ciclo? Notou o foco na meta? Aparentemente, não há preocupação com a postura da política fiscal (expansionista/contracionista/neutra), apenas com a meta (que pode variar com o ciclo). Você pode acreditar que é a mesma coisa. Eu penso que não e espero esclarecer meu argumento num próximo post. 
Porém, como o governo parece ter como meta o topo da banda no caso da inflação, como podemos acreditar que o mesmo governo não vai perseguir o piso de uma possível banda de superávit primário (como o autor do artigo comenta)? É preciso ter um sistema crível e um primeiro passo seria a busca por uma evolução no design institucional, elevando o grau de transparência da gerência do orçamento público. As transferências do Tesouro Nacional para o BNDES e o mecanismo que permite a possibilidade do abatimento da meta do superávit primário pelos gastos relacionados ao Programa de Aceleração do Investimento (PAC), entre outras manobras, minam, no momento, a credibilidade do governo. Blanchard e Giavazzi*, no contexto da união europeia e seu pacto de estabilidade e crescimento, propõem uma mudança na contabilidade do governo de forma que não haja negligência com os investimentos públicos e seus rebatimentos sobre o crescimento econômico, enumerando princípios para o desenho institucional oriundos dessa mudança.
Nesse contexto, então, o governo estaria tomando as melhores decisões de política fiscal incorrendo em déficits (ou, de outra forma, estimulando a economia por meio de uma política fiscal expansionista, voltada preferencialmente para investimentos produtivos) em momentos de queda do produto e reduzindo esse déficit em tempos de crescimento do PIB, equacionando os multiplicadores orçamentários, que parecem ser mais sensíveis em tempos de recessão, e suavizando o ciclo econômico. Visto que as receitas fiscais tendem a aumentar quando há expansão do PIB e tendem a cair quando há queda do produto, para que o governo sempre tome as melhores decisões de política fiscal, o gasto público deve ser o menos rígido possível (é bom lembrar que nem só de receitas vive o superávit). A dificuldade maior decorre desse último fato, pelo menos no caso brasileiro, tanto pelo excesso de vinculações e outras restrições impostas pela Constituição Federal quanto pela falta de disposição dos governos para realizar reformas que contornem esse problema. Enfim, o ponto é o seguinte: não adianta lamentar o superávit primário menor por causa do fraco crescimento do PIB que frustra o lado da arrecadação. E o gasto público, que cresce o tempo todo? E a imensa dificuldade em concretizar investimentos básicos?   

* BLANCHARD, O.; GIAVAZZI, F. Improving the SGP Through a Proper Accounting of Public Investment. CEPR DiscussionPaper, No 4220, fev.,2004.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O IBC-Br é uma boa prévia do PIB? (Parte II)

Continuando o post sobre o IBC-Br! O exercício é similar ao anterior, sendo que os dois índices utilizados são ajustados sazonalmente. O IBC foi convertido por média para a base trimestral e o ajuste sazonal foi realizado com a ajuda de um software (o método utilizado foi o X-12). Para o PIB, o próprio IBGE divulga um índice ajustado. O cálculo da variação de ambas as séries é feito em relação ao trimestre imediatamente anterior.


Em quatro trimestres o IBC apresentou um movimento oposto ao do PIB (2005Q1, 2011Q3, 2011Q4 e 2012Q2) e o coeficiente de correlação linear entre as duas variáveis foi menor que o anterior (0,95), porém a aproximação continua útil. Continuando nosso exercício de previsão do PIB via IBC, no terceiro trimestre deste ano houve uma queda de 0,4% em relação ao trimestre imediatamente anterior. Muitos analistas esperam uma contração (vi em algum lugar que o Itaú prevê uma queda de 0,3%). Em dezembro a gente vê o que acontece!

terça-feira, 26 de novembro de 2013

O IBC-Br é uma boa prévia do PIB? (Parte I)

O índice de atividade econômica do Banco Central do Brasil (IBC-Br), também conhecido como “a prévia do PIB”, foi questionado mais fortemente (de acordo com a minha curta memória e, quem sabe, não pela primeira vez) em julho de 2013. Em notícia publicada no jornal Valor Econômico (17/07/2013), Chico Lopes surpreendeu ao afirmar “O PIB cresce 4% ao ano” (aqui). O Brasil havia crescido 0,9% em 2012 e o pessimismo era quase generalizado na metade de 2013. Utilizando médias trimestrais dos dados do IBC (que é divulgado mensalmente), em suas palavras, uma forma mais segura de analisar o movimento do índice, ele antecipou um crescimento de 4% no segundo trimestre de 2013. A partir dessa notícia, o mesmo jornal procurou a opinião de outros economistas (menos otimistas) sobre o assunto e alguns deles afirmaram que o IBC já não era um bom indicador para o PIB. Em matérias que abordam a variação do índice do Banco Central (aqui, por exemplo) são comuns, ultimamente, ressalvas do tipo “Os últimos resultados do IBC-Br, porém, não têm demonstrado proximidade com os dados oficiais do Produto Interno Bruto, divulgados pelo IBGE”. 
É improvável que o PIB do Brasil cresça, em 2013, 4%. Porém, a previsão otimista do Chico Lopes para o segundo trimestre de 2013 (via IBC) foi boa - principalmente levando em conta esse clima de pessimismo em relação ao desempenho da economia brasileira -, já que o PIB cresceu, de fato, 3,3%. Então, até que ponto os valores do IBC se descolaram do PIB, se é que isso realmente aconteceu?

           
O Gráfico acima mostra a variação do PIB real e do IBC-Br (%a.a). Os dados mensais do IBC foram transformados por média em uma base trimestral.  Apenas em dois trimestres (2008T4 e 2012T2) "a prévia do PIB" sugeriu um movimento errado da variação do produto. A correlação linear entre as duas variáveis é 0,98. A aproximação é, realmente, boa. Não deixou de ser boa recentemente, da mesma forma que nunca foi espetacular. O índice do Banco Central continua sendo útil. Sem entrar no mérito dos 4% e do pessimismo com a economia brasileira, o fato é que Chico Lopes tem razão ao afirmar que a medida mensal do IBC tem bastante ruído, medida essa que é amplamente divulgada pela mídia. Em tempo: a previsão do crescimento do PIB, via IBC, para o terceiro trimestre de 2013 é de 2,66%.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Miopia → Vulnerabilidade → Austeridade forçada

Reinhart e Rogoff*, em 2010, publicaram um famoso (e polêmico) artigo que aborda o tema dívida pública x crescimento econômico. Basicamente, a conclusão foi que o alto nível de dívida pública (>=90% do PIB) afeta negativamente o crescimento das economias avançadas – no caso dos países emergentes, mesmo um nível menor de dívida pública (60% do PIB) está associado a um menor crescimento do PIB e pressões inflacionárias. Ao contrário do que muitos pensam, no contexto de excesso de dívida pública (o caso de certos países da zona do euro), o estudo não serve de base para a realização de medidas de austeridade excessivas e imediatas, e nem é esse o argumento dos autores. O foco está nos custos incorridos pela sociedade associados à dívida pública excessiva. Outros estudos** concluem o oposto, que os níveis elevados de dívida pública (em % do PIB) foram impulsionados por baixas taxas de crescimento, justificando uma política fiscal expansionista como forma de estimular a economia. A austeridade fiscal não seria a melhor maneira de curar as finanças públicas, pois agrava o ambiente recessivo, que reduz o PIB e aumenta, por conseguinte, a relação dívida/PIB. De toda forma, os dois argumentos são discutíveis.
Lorenzo Smaghi encontra um modo de deixar o debate sobre ajuste fiscal mais encorpado, em que a relação entre austeridade e crescimento é mais complexa. Em seu texto recente (aqui) argumenta que, para chegar nesse ponto insustentável, em que “a austeridade é a única opção”, estas economias da zona do euro sofreram com a miopia/estupidez de seus formuladores de política antes da crise econômica. Problemas estruturais fundamentais não enfrentados como o baixo acúmulo de capital humano, baixo crescimento da produtividade, endividamento excessivo - mesmo antes da eclosão da crise -, entre outros, contribuem para o fraco crescimento desses países. Ou seja, no limite, a austeridade fiscal imposta atualmente foi causada pelo baixo crescimento potencial desses países (por ausência de reformas pró-crescimento), e não o contrário. Enfim, vale, ao menos, a reflexão.  

Ausência de reformas pró-crescimento, baixo crescimento potencial e acúmulo excessivo de dívida pública. Qualquer semelhança...

* REINHART, C. M..; ROGOFF, K. S. “Growth in a Time of Debt”. The American Economic Review, v. 100(2), p. 573-78, maio, 2010.

** Por exemplo, TAYLOR, L.; PROAÑO, C. R.; CARVALHO, L.; BARBOSA, N. Fiscal deficits, economic growth and government debt in the USA. Cambridge Journal of Economics,v.36, p.189-204, 2012.

Ajuste fiscal: preliminares

A crise da zona do euro fez com que a palavra “austeridade” voltasse à tona. Não somente na Europa, onde o assunto é urgente, mas também nos Estados Unidos, onde existiu um impasse no congresso tanto em relação ao chamado “abismo fiscal” quanto à elevação do teto da dívida pública norte-americana. Com efeito, os déficits orçamentários de hoje tornam-se a dívida de amanhã – o ponto de partida é a existência de uma restrição orçamentária intertemporal que o governo deve respeitar. Sucessivos déficits podem elevar a dívida pública a um nível insustentável, ou, dada a natureza efêmera da confiança, causar um temor de default no mercado financeiro e ocasionar a chamada profecia autorrealizável. De toda forma, isso acarretaria uma crise fiscal. Antes do colapso, os mercados, preocupados com a possibilidade de calote, exigiriam prêmios de risco cada vez mais altos e a rolagem da dívida pública ficaria cada vez mais difícil. Todo esse desequilíbrio causado pela má gestão do orçamento público sufocaria qualquer possibilidade de crescimento econômico. Quando uma economia chega a esse ponto, os credores exigem um ajuste fiscal – corte de gastos/aumento de impostos como sinalização de que o país está comprometido a assumir suas responsabilidades e cumprir seus contratos.
Porém, o momento do ajuste fiscal está no centro do debate. Seria austeridade, em tempos de crise, “austericídio”? Um corte de gastos ou aumento de impostos poderia prejudicar ainda mais a economia de um país em crise, reduzindo a demanda agregada e agravando a conjuntura recessiva. Essa abordagem pró-cíclica é considerada autodestrutiva. Porém, como tratado anteriormente, o receio do calote gera uma crise de confiança nos mercados. O país endividado, que não tomou a decisão de reduzir seu déficit orçamentário, jamais teria credibilidade suficiente para tomar empréstimos e rolar sua dívida, embora a ideia de que o ajuste fiscal deva ser realizado pura e simplesmente para acalmar os mercados seja extremamente simplista – o ponto central, aqui, é a reestruturação do canal de crédito. De toda forma, o que se vê, no mundo real, é que poucos países têm condições de realizar políticas fiscais contracíclicas (aumento de gastos/corte de impostos para estimular a economia quando o ciclo econômico é desfavorável), somente os que em momentos de estabilidade e prosperidade reduziram seu déficit e sua dívida pública de alguma forma, ou aqueles que possuem sólida reputação ante os seus credores. Mais do que isso, em momentos de crise, é comum a realização de ajustes fiscais forçados.